Relógio desperto na hora certa, mesa posta, café no ponto, iluminação adequada, roupa antes do banho escolhida. Minutos cronometrados sob olhares rígidos. Atrasar a um compromisso? Jamais! Antecipadamente, verifico o caminho a ser tomado, calculo a distância percorrida e o tempo a ser gasto. Busco “ganhar” os semáforos em suas disposições alternadas, e fico furiosa quando os carros que estão à frente não obedecem esse ritmo. Odeio perder tempo!
No trabalho tudo agendado, detalhes conferidos, papéis ordenadamente dispostos, tarefas criteriosamente cumpridas.
Tudo perfeitamente desenhado sob a régua do controle. Gosto de deter o poder sobre cada situação. Improvisar não garante o resultado esperado.
Mas... como tudo isso me cansa!
Mas... como tudo isso me cansa!
E quando o imprevisto acontece?
Estava com tudo bem planejado para iniciar um dia repleto de afazeres. Só não contava com um fato inusitado. Ao entrar no elevador para acessar o estacionamento do meu prédio, indicando o botão correto, fui parar em outro andar, e o pior, o elevador entrou em pane, deixando-me presa. Lá estava eu, além do medo inesperadamente disposto em meu semblante, com uma desconfortante sensação de descontrole. Todo o meu planejamento pendurado em 15 minutos horrivelmente “roubados” pelo imprevisto. Da chegada do auxílio até minha recomposição do grande susto, houve tempo suficiente para eu constatar nossa limitação diante do destino.
Controlar é pura ilusão que nos arvoramos para mistificar o medo e a dor. O controlador compulsivo desenvolve um comportamento reativo diante da vida. A falta de habilidade em lidar com as mudanças reflete uma rigidez característica de quem teme o que pode vir pela frente. E isso, não só põe limites à criatividade, como causa um enorme desgaste emocional. Ter que a todo momento calcular os próximos passos ou decisões, coloca-nos em constante estado de alerta. A postura de tensão revela a necessidade do cuidado a seguir. Aceitar a impermanência da vida nos favorece uma maior disposição para transitar nossos destinos num cenário de constantes variações.
Mantendo o foco
Abrir mão do controle não significa tirar o foco da responsabilidade, da disciplina e do planejamento eficaz. Podemos seguir metas com flexibilidade.
A natureza responde equilibradamente às sugestões de cada novo dia. O suceder das estações obedecem a uma graduação espontânea. Há tempo de plantar, cultivar e colher o fruto na época do maturar. Como diziam nossas avós, não adianta por a carroça diante dos bois. O ponto de chegada passa antes pelo de partida. E aguardar o momento oportuno, agindo no presente, garante uma otimização de nossos esforços, ao dispender somente a energia necessária para cada investida.
Virando o jogo
A ânsia pela espera do filho que ainda não chegou da balada da madrugada produz uma quantidade de adrenalina suficiente para manter “acessas” várias mães que, se reunidas estivessem, teriam “gás” para curtir e compor toda uma night. E no entanto, a corda invisível do controle as abstrai da paz necessária ao repouso, sufocando-as até que o barulho da chave, abrindo a porta, as liberte do tormento vivido.
Tirar o pé do freio na ladeira é perigoso, mas mantê-lo, ainda que em superfície plana, não nos leva a lugar algum. É preciso saber dosar os níveis de expectativas. O caminho do meio (expresso na tradição budista) é o indicado para que possamos bem nos conduzir na trajetória que nos reportará ao autoconhecimento e ao desenvolvimento de posturas comportamentais positivas, outorgando-nos habilidades necessárias para sanar os nossos conflitos.
Desfrutar de uma lucidez mental requer de nós uma atitude pró-ativa, que nos retire do papel de simples agentes de nossa história e nos promova a autênticos sujeitos transformadores da realidade presente.
De onde vem a luz no fim do túnel?
Querer romper com esse padrão de comportamento rígido, pode ser um prenúncio para vislumbrarmos a luz que vem de nossas potencialidades íntimas. Eis algumas tentativas iluminadoras:
- Viver um dia de cada vez, como o que apregoa os Alcoólicos Anônimos - “Só por hoje”. Isso já nos garante um bom começo para esse laborioso processo de autotransformação.
- Ativar a esperança e a fé colaboram, por sua vez, para acionar os potenciais de calma e serenidade (“Viver com fé eu vou, a fé não costuma falhar”).
- Exercitar a valiosa lição do desapego, rompendo aos poucos com toda a causa de sofrimento e dor, onde o controle doentio é apenas reflexo desse mal.
- Aceitar as diversidades e o ritmo de crescimento de cada ser, fazendo com que a rigidez ganhe nova feição psíquica, ao adotar posturas de naturalidade e tolerância, proporcionando relacionamentos mais satisfatórios.
- Educar suas emoções, não se permitindo ser dominado pelo imediatismo dos fatos, mas dominar-se.
- Não mais utilizar o controle como uma fuga psicológica, e sim tomar consciência dos seus limites/dificuldades para trabalhá-los.
- Aceitar a naturalidade da vida que, por si só, muda a cada momento, identificando-se como ser integrante desta mesma natureza, portanto em constante processo de autotransformação.
Que possamos abrir mão do controle desmedido, apostar em nós e ganharmos a chance de nos descobrir mais felizes.
(Kathia Albuquerque)
Um comentário:
E para que possamos abrir mão desse controle precisamos conquistar a humildade.
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